Desigualdades resistem à política de unificação 30 anos após a queda do Muro de Berlim
- Turma Jornalismo Impresso
- 10 de jun. de 2019
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Atualizado: 24 de jun. de 2019
Apesar dos esforços políticos e econômicos realizados no período, as antigas Alemanha Oriental e Ocidental possuem características muito próprias e discrepantes entre si

Ainda existem resquícios de uma Alemanha dividida 30 anos após a queda do Muro de Berlim. Uma das maiores potências europeias possui índices socioeconômicos municipais discrepantes mesmo com o esforço feito na reunificação do país, segundo a doutora em geografia Rejane Rodrigues, da PUC-Rio. Houve um grande esforço na homogeneização do país desde 1989, o que elevou os índices da antiga Alemanha Oriental e tornou-os mais próximos da antiga Alemanha Ocidental. Para Rejane Rodrigues, A República Democrática Alemã (RDA) foi incorporada ao bloco socialista a partir de interesses específicos da URSS e de determinados grupos que foram acessados ao poder político na época, sem que os interesses mais gerais da sociedade alemã fossem levados em consideração.
Apesar de algumas perdas, com o fim do socialismo na RDA, os avanços foram significativos, mas isto, para a especialista, porque se tratava de um país onde o Estado do Bem Estar Social foi levado a sério e, por isso, as medidas de amparo social e de reintegração econômica foram eficazmente implementadas.
Entretanto, índices socioeconômicos mostram que, mesmo após 30 anos da reunificação, ainda existe uma discrepância entre o oriente e ocidente do país, como mostram os dados do Escritório Federal Estatístico Alemão. Um dos dados levantados é que muitos alemães orientais não possuem carro de passeio. As taxas de carros de passeio por 100 mil habitantes variam entre 31 e 49 na região, enquanto do outro lado do país muitas áreas apresentam índices acima dos 105.
Rejane ressalta que as desigualdades entre algumas cidades e suas populações se mantêm ainda hoje, tendo levado ao surgimento do que chama de cidades minguantes. Para ela, não há como, sob o capitalismo, eliminar o problema das desigualdades sejam elas sociais ou sócio espaciais. Tal fenômeno de desigualdade e de esvaziamento de algumas cidades afeta vários países, como Portugal por exemplo.
Neste caso, me parece que a adoção de políticas de redistribuição dos investimentos públicos e de atração de investimentos privados em setores produtivos que dispensem as tradicionais economias de aglomeração ou que incorporem o par trabalho remoto/qualidade de vida, possa minimizar este problema - disse a geógrafa.
Rejane Rodrigues ainda acrescenta que o caso da Alemanha é sempre muito interessante, especialmente durante o governo Angela Merkel que adota uma agenda de políticas de endurecimento para outros países da UE, mas internamente não abre mão das políticas sociais. Alguns estudiosos falam que a Alemanha, pós avanço das políticas neoliberais no mundo, adotou um modelo de "capitalismo diferente". Com uma economia que tem perdido posições nos ranking internacionais e os elevados gastos para consolidação da UE, me parece que as desigualdades internas passaram ao segundo plano.

A miséria ainda é uma ameaça maior na antiga Alemanha Oriental
A população que vive na antiga Alemanha Oriental é mais instável economicamente do que os habitantes da antiga Alemanha Ocidental. Em 2018, 17,8% dos moradores do oriente do país estavam em risco de pobreza enquanto 15,3% estavam na mesma situação no ocidente alemão. Este ano, houve uma diminuição nesse índice oriental de 0,6% em relação ao ano passado e um aumento de 0,3% no ocidental.
Apesar dos dados atuais, nos últimos 10 anos, a pobreza aumentou na antiga Alemanha Ocidental. A doutora em geopolítica Rejane Rodrigues afirma que, na unificação alemã, a parte ocidental sofreu com o aumento dos impostos, que foram destinados para alavancar o desenvolvimento das cidades orientais.
Um custo de vida quase homogêneo
Quanto custa viver na Alemanha? O gasto médio por consumidor com a sua própria casa era, ao ano, 2587 euros em 2018 na antiga Alemanha Oriental, enquanto que na Ocidental o gasto era de 3234 euros no mesmo período.
Apesar dessa diferença, o comportamento do consumidor no país é muito parecido. Segundo Rejane, o poder de compra do país estar praticamente homogeneizado é um ótimo indicador para a economia após reunificação. Há 30 anos, segundo ela, esta equivalência no índice era impensável.
Segundo um estudo produzido pela empresa Prognos AG, a antiga Alemanha Oriental se distanciará economicamente da Ocidental por volta de 2045 devido aos fluxos migratórios e baixa taxa de natalidade. Hoje, a produção econômica per capita do antigo Oriente, incluindo Berlim, é apenas 25% menor do que a do antigo Ocidente e, em 2045, deve diminuir e ser aproximadamente 33% menor.
Para a especialista em Geografia Política, apesar dos salários serem, em média, mais baixos no Oriente, os preços mais baixos na região garantem que a diferença real de renda entre o Oriente e o Ocidente não cresça demais.
O comportamento populacional alemão
Quase uma em cada cinco das 82,8 milhões de pessoas na Alemanha vive no antigo Oriente, de acordo com o Escritório Federal Estatístico Alemão. Após a queda do Muro até hoje, 5 milhões de pessoas se mudaram para viver no antigo Ocidente e a população da capital Berlim caiu em 2 milhões de habitantes neste mesmo período.
O diplomata Celso Amorim disse que este é o caso de muitos brasileiros, que optaram primeiro em ir para Berlim e logo em seguida saíram da capital para procurar oportunidades em outras cidades.
Além disso, a cada ano, mais pessoas morrem do que nascem no país, o que significa que a população diminuiria se não fosse pela imigração. O chamado "déficit de nascimentos" é estimado entre 150.000 e 190.000 pessoas.
O comportamento da instituição família
Há também diferenças entre o leste e o oeste para aqueles que lidam com o trabalho e a vida familiar. Uma em cada cinco famílias alemãs, tem crianças criadas por uma mãe solteira. No entanto, quase um quarto - 24,9% - de todas as famílias da antiga Alemanha Oriental têm pais solteiros, em comparação com cerca de um sexto - 17,5% - das famílias no antigo Ocidente.
Seja um pai solteiro ou não, nos antigos estados do leste é mais fácil para os pais que querem voltar a trabalhar depois de ter filhos. Em 2017, um terço das crianças menores de 3 anos na Alemanha frequentavam creches infantis. A taxa de atenção para essa faixa etária era de 28,8% no oeste e de 51,3% nos estados do leste e em Berlim.
No entanto, quase não há diferença na taxa de crianças em idade pré-escolar na creche: 93% nos antigos estados ocidentais e 94,8% no antigo Leste e Berlim.
Comportamento social e políticas migratórias
As diferenças entre leste e oeste também são determinadas por gerações - afirmou a doutora em Geografia da PUC-Rio Rejane Rodrigues.
Os jovens de ambas as partes do país têm atitudes e padrões comportamentais semelhantes. As pessoas mais velhas da antiga Alemanha Oriental, que passaram grande parte de suas vidas sob influência da União Soviética, são mais propensas a ser diferentes de sua mesma geração ocidental. Existem diferenças significativas especialmente em relação a como as pessoas com origens de migração são vistas.

Para a estudante de engenharia Sophia Krauss, 23 anos, que morou nos últimos três anos em Dresden - no antigo Oriente - a população na região mantém o sentimento de que está sendo deixada para trás e é incompreendida. Segundo ela, isso também se deve ao fato de que existem restrições na vida pública até hoje. Indo para as áreas rurais próximas a Dresden, existe uma carência de bens de consumo, escolas e consultórios médicos,além de um transporte público pouco eficiente, o que os isola ainda mais.
Por Maria Nasser
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