Fenômeno da imigração reabre discurso racial na alemanha
- Turma Jornalismo Impresso
- 5 de jun. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de jun. de 2019
A imigração é capaz de quebrar os muros sociais, culturais e raciais?

Para o alemão aposentado Heinz Adler Lange, quando imigrantes chegam à Alemanha, é esperado que eles falem a língua, vivam de acordo com os costumes e se adaptem à cultura, "se não eu digo: deportá-los". O ex-engenheiro civil de 92 anos espelha o sentimento de muitos alemães, indignados com o crescente número de imigrantes ingressando no país. Hoje, são mais de 19 milhões de imigrantes e descendentes estrangeiros vivendo na Alemanha.
Toda vez que um crime é cometido em Berlim, o criminoso é sempre alguém com pele mais escura ou que está usando um véu. Não são os alemães. São os árabes - reclamou Heinz.
De todos os 27 estados da União Europeia, a Alemanha tem a segunda maior porcentagem de imigração depois do Reino Unido. De acordo com estimativas da ONU (2017), cerca de 14,8% da população alemã é imigrante. O crescente índice no fluxo de imigrações tem causado transformações políticas, culturais, sociais e econômicas no país, levando a miscigenação social, racial e cultural, redefinindo conceitos de identidade nacional. O que para muitos é uma Alemanha mais diversificada e globalizada, para outros é um atentado à identidade nacional.
Um dos principais fatores são as mudanças na cultura em questões de linguagem e culinária. Para Heinz e muitos outros alemães, agregar costumes estrangeiros é uma desvalorização da cultura local. “Eles não podem chegar aqui e querer mudar as coisas, romper com uma estrutura que funciona para quem é nativo daqui” conclui Heinz.
Eles mudaram muito o lifestyle, especialmente em questão de comida e música. Hoje o “donerkebab” é o fastfood mais consumido na Alemanha. Eles influenciaram muito nas gírias alemãs, misturando sua língua com a nossa. Isso reflete muito no rap que escutamos hoje. Música rap é o gênero mais ouvido na Alemanha. Tudo isso por causa da influencia externa – explica o alemão Steven Rockel, produtor musical de 28 anos.
Para ele, os imigrantes representam mudanças positivas porque “enriquecem a cultura local”.
"Sou tão alemão quanto meus amigos brancos" rebate Onur Erol Kerem, 23 anos
O estudante de medicina, que nasceu e viveu toda a vida em Berlin, é filho de turcos e relata alguns episódios de bullying que sofreu. Porque sempre teve uma boa condição financeira, Onur morou em distritos de elite, majoritariamente povoados por alemães brancos ou imigrantes brancos (de países como França, Bélgica e Holanda). Por isso, por boa parte da sua vida já ouviu comentários como “kanaken” (desprezível) ao andar pelos corredores da escola. Porém, o mesmo não acontecia com as outras crianças imigrantes brancas.
Anette Reinhardt, de 21 anos, neta de Heinz, discorda das visões do avô, e explica as divergências de tratamento entre um tipo de imigrante e outro (como no caso de Onur).
Imigrantes são tratados diferente sim, mas tudo é questão de onde eles são. Um asiático, por exemplo, vai ser tratado melhor que um marroquino ou uma menina usando um hidjab. Pessoas da cultura islâmica geralmente são evitadas ou excluídas. Também não posso generalizar, porque depende muito da área de Berlin. Distritos como Marzahn ou Hellersdorf são totalmente tomados por alemães brancos, então mal há contato estrangeiro. Distritos como Kreuzberg ou Neukölln sempre foram habitados por mais estrangeiros, então há um contato maior com outras cultura - explica Anette.
O crescimento da miscigenação social e a inserção das minorias na sociedade alemã viraram quase um senso comum internamente. Porém, até agora, não há como saber se isso é realmente verdade. De acordo com um levantamento do site Quartz, categorias raciais (branco, negro, asiático etc) não existem na Alemanha. O governo não vê necessidade de medir as minorias étnicas em escolas, universidades ou empregos, porque não quer dividir seus cidadãos. De acordo com Simon Patrick, pesquisador sênior do Instituo Nacional de Estudos Demográficos “se você não quer criar racismo, tem que evitar o uso de categorias. Todo mundo é alemão e deve ser tratado da mesma maneira”.
Para alguns, são princípios que visam a aumentar a igualdade. Mas para muitos, como a alemã Lane Hots, de 36 anos, a sensação é que isso prejudica o progresso racial.
Se você aparenta branco, você não terá as mesmas experiências que alguém de pele mais escura. Estas estão sujeitas a um racismo estrutural absurdo. Isso envolve não conseguir alugar ou comprar uma casa porque não tem nome alemão; ser revistado pela policia sem motivo (isso acontece especialmente com os homens), não conseguir empregos de alto escalão, ser xingado na rua e na pior das hipóteses, sofrer violência física - conclui.
Fatima Lena Abtibol Hoffmann, de 27 anos confirma as suspeitas de Lane. Filha de pai alemão e mãe marroquina, ela relembra algumas dificuldades para arranjar um emprego na área de economia.
Eu costumava a mandar dois currículos para várias empresas: uma versão com o meu nome alemão (Lena Hoffmann), e o outro com meu nome marroquino (Fatima Abtibol). Sempre os de nome alemão eram chamados, e quando eu chegava para a entrevista, a cara de surpresa dos empregadores era chocante - relata.
Enquanto os sentimentos racistas da extrema-direita muitas vezes provocam um debate acalorado, há pouca discussão sobre a discriminação estrutural que pesa sobre minorias em questões como educação e emprego.
Um contratempo na implementação de políticas públicas pró refugiados e imigrantes vem de partidos políticos de extrema direita com o AfD (Alternative für Deutschland). Em entrevista ao site National Public Radio, em setembro do ano passado, o porta-voz da AfD, Jörg Meuthen, disse que seu partido está alinhado com as vontades da sociedade alemã: “Nas questões cruciais do nosso tempo, as visões da maioria da população coincidem com as nossas. As acusações de que o partido é radical de direita ou um perigo para a democracia são um reflexo da impotência dos principais políticos de outros partidos”.
O partido, fundado em abril de 2013, tem ganhado força no cenário político alemão devido ao seu posicionamento anti-imigração. Nas eleições de setembro de 2017, o AfD tornou-se o primeiro partido de extrema-direita a conquistar espaço no Bundestag em mais de meio século, tornando-se a oposição oficial do governo de Angela Merkel.
Na opinião do descendente iraniano Jan Keyani, 25 anos, as “tendências de extrema direita sempre foram muito presentes no cotidiano alemão”. Para ele, isso é preocupante por causa do recente passado conturbado, repleto de influências de ditadura, fascismo e conservadorismo.
Por Luisa Vianna
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