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Fronteira física nas Irlandas não é viável para o Brexit, diz sociólogo

  • Foto do escritor: Turma Jornalismo Impresso
    Turma Jornalismo Impresso
  • 10 de jun. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 25 de jun. de 2019

Um dos principais entraves da saída britânica da União Europeia passa pelas Irlandas

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Muro da Paz de Belfast. (Foto: Michael Turtle)

O Brexit, referendo que aprovou a saída do Reino Unido da União Europeia, elevou a histórica tensão existente na fronteira entre a Irlanda do Norte (pertencente ao Reino Unido) e a República da Irlanda, antiga Irlanda do Sul. Como, no momento em que ocorrer o desligamento oficial, previsto para outubro próximo, essa será a única fronteira terrestre entre o Reino Unido e a União Europeia, os irlandeses temem que os ingleses possam criar um checkpoint entre os dois países. Eoin O’Neill, doutor em Sociologia pelo IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), alertou que “uma fronteira física é impossível de ser aplicada”, uma vez que fazendas são divididas pela fronteira e várias produções do norte vão para o sul. “Não há como isso acontecer”, afirmou.


A fronteira da Irlanda do Norte com a Irlanda era um dos entraves para a aprovação de um acordo do Brexit. Uma alternativa sugerida na proposta de Theresa May, agora ex-primeira ministra britânica, e que foi rejeitado três vezes, era a criação do “backstop”, que seria manter a Irlanda do Norte ainda incorporada às regras de mercado da União Europeia, que na prática ainda a manteria no bloco europeu. O’Neill diz que essa solução arranjada por Theresa May era criticada pois tiraria a soberania do Reino Unido.

O’Neill não descartou a possibilidade de haver entre dois à cinco anos um referendo na Irlanda do Norte para a independência do Reino Unido, assim como aconteceu em 2014 na Escócia, ou até mesmo para o Norte se anexar ao Sul (República da Irlanda). Norte irlandeses e escoceses votaram em sua maioria pela permanência na UE, diferentemente dos ingleses e galeses.


Brasileiros que estão atualmente na região veem uma preocupação maior com a questão econômica dos países. Juliana Thomé, que está morando em Dublin há um ano e meio e que vai começar a cursar Tecnologia da Informação em 2020, conta que os bancos serão outra parte muito afetada.


Para você vender serviço financeiro pro bloco você precisa ter o passaporte (da União Europeia). Uma vez que o Reino Unido está saindo do bloco quem não tiver passaporte de lá não tem esse direito. Os bancos vão ter que transferir mais da metade dos funcionários para outro país que não faça parte do Reino Unido. - ela disse.

Mas os bancos também estão oferecendo seguros para o Brexit. Juliana conta que já recebeu uma carta afirmando que se ela possuir algum investimento no Reino Unido, que é para ficar despreocupada.


Essa visão é compartilhada por Luiz Gasparelli Junior. Morador também de Dublin há quase dois anos, o doutor em Estudos Literários visitou recentemente a Irlanda do Norte e conta que do lado de lá todos estão apreensivos porque a República da Irlanda é o principal consumidor de bens e produtos da Irlanda do Norte. “A possibilidade de voltar a ter fronteiras (físicas) é sim um grande incômodo, mas não há nenhum sinal de retorno à violência que foi no passado. O que se escuta muito mais é um discurso de dissolução do Reino Unido e a Irlanda do Norte ir para a União Europeia”. Assim como O’Neill, ele não descarta um possível referendo de independência da Irlanda do Norte ao Reino Unido após o Brexit ser concluído.


Gasparelli também afirma que ainda há resquícios de um preconceito religioso, sofrido pelos irlandeses quando vão ao norte por conta do sotaque, mas que é nada demais. Uma cidade marcada por essas diferenças é Londonderry, onde havia uma muralha que separava os católicos dos protestantes, mas que hoje se transita livremente.


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Em ruínas, antiga muralha separava os diferentes cristãos do Norte (Foto: Luiz Gasparelli Junior)

Irlandas possuem histórico de conflitos


Nacionalistas (cidadãos a favor de uma grande Irlanda unificada) e unionistas (defensores do território norte-irlandês como parte do Reino Unido) acumulavam um histórico de conflitos até 1998, quando o Acordo de Belfast, também conhecido como Acordo de Sexta-Feira Santa, foi assinado. Na época, os dois partidos majoritários da Irlanda do Norte tinham visões totalmente diferentes. O Partido Social Democrata e Trabalhista (SDLP), era a favor de uma Irlanda unida, mas contra a luta armada, provocada pelo Exército Republicano Irlandês (IRA), grupo paramilitar católico. Em oposição estava o Partido Unionista Democrático (DUP), de vertente protestante e que apoiava grupos paramilitares. O acordo então foi assinado com a intenção de encerrar essa luta armada. Além do cessar fogo e da soltura de presos políticos/paramilitares, foi criada a Assembleia Norte Irlandesa, com todos os partidos participando. A União Europeia e os Estados Unidos da América também pressionaram para que o acordo fosse cumprido à risca, já que tinham feitos investimentos de infraestrutura na Irlanda do Norte.


Separada por vários muros, Belfast é uma grande representação dessa divisão norte irlandesa. Com o oeste católico, o leste protestante, e norte e sul mistos, é como se um Botafogo fosse um bairro católico, Humaitá protestante e não houvesse interação entre eles. De maneira velada, ainda existe o preconceito religioso. “Em uma entrevista de emprego nunca vão perguntar sua religião, mas pelo jeito de você pronunciar certas palavras, e pela escola que você estudou, isso pode ser facilmente identificado”, conta O’Neill.


Outra marca desse preconceito é a celebração conhecida como Eleventh Night, (Décima Primeira Noite, em tradução livre). Iniciada no século XVII, na noite anterior à 12 de julho, grupos protestantes/lealistas na Irlanda do Norte queimam em fogueiras bandeiras irlandesas e símbolos católicos


Em que pé está o Brexit?


Com a renúncia de Theresa May em 7 de junho, o cargo de primeiro ministro ficou disponível. Por ter maioria no Parlamento, o próximo primeiro ministro continua sendo do Partido Conservador. Nas “eleições primárias” (realizadas pelos deputados) restaram dois nomes: Boris Johnson, ex-prefeito de Londres e ex-ministro das Relações Exteriores do governo May, e que é o favorito a vencer, e Jeremy Hunt, atual ministro das Relações Exteriores. Agora os mais de 160 mil filiados ao partido vão decidir quem assume o cargo.

Theresa May foi a segunda primeira ministra a ser derrubada pelo Brexit. Em 2016, David Cameron, criador do referendo, também renunciou quando a decisão de deixar a União Europeia foi a vencedora.


Por Lucas Barboza

 
 
 

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