Primeiro time formado por jogadores gays no Rio é inspiração para vencer o muro do preconceito
- Turma Jornalismo Impresso
- 10 de jun. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de jun. de 2019
O BeesCats Soccer Boys foi criado há dois anos e já foi campeão de torneio em Paris

Do outro lado das grades de um campo de futebol em Botafogo, Zona Sul do Rio, André Machado, de 31 anos, amarra as suas chuteiras brancas e espera ansiosamente a bola rolar. Nos minutos que antecedem mais um treino, ele prefere o silêncio como forma de concentração. Ele e o seu time, o BeesCats Soccer Boys, estão se preparando para a Champions Ligay, que será disputada em Belo Horizonte, em novembro. Entretanto, mais do que a busca pelo título, os jogadores se planejam para mais uma batalha para derrubar o muro do preconceito. Criado em 2017, o time se orgulha de ser o primeiro formado por jogadores homossexuais no Rio de Janeiro.
Além das cores amarelo e preto da equipe, os 21 jogadores do BeesCats carregam para todos os treinos e jogos a bandeira do movimento LGBT – formada pelas mesmas cores do arco-íris. Para André, atual presidente do time, o verdadeiro símbolo do grupo está naquele colorido, uma forma de resistência e de rompimento de barreiras.
A gente começou a jogar bola há muito tempo, mas muitos não jogavam desde a adolescência por causa do preconceito. Existe uma mística de que gay não joga futebol, mas isso não é verdade. No nosso time tem alguns que poderiam ser até profissionais, mas a sexualidade sempre foi uma barreira. É por isso que, hoje, eu tenho orgulho de carregar a bandeira comigo. Tenho muito orgulho do BeesCats e do que a gente vem fazendo pra romper esse preconceito – disse o camisa 7 do time
Os “abelhas”, como são conhecidos, participam de alguns campeonatos no Brasil e no mundo que reúnem equipes formadas por jogadores gays. Em pouco tempo de existência, eles já foram campeões de três competições: a LiGay BSB 2019, disputada entre 24 times no mês de abril em Brasília; a Copa Sudeste, no ano passado; e a Taça Hornet, em 2017. Além destes troféus, o BeesCats ficou em segundo lugar no World Gay Games Paris 2018, torneio que reuniu 14 times de futebol de 7 do mundo inteiro na capital francesa.
As competições estão crescendo, cada vez mais times participando e é um orgulho ver tudo isso que a gente já conquistou. Mas a verdade é que seria ótimo que não precisasse existir esse tipo de competição, de divisão, mas o mundo não é tão colorido assim. É só pensar em quantos jogadores são assumidos no Brasil – completou André Machado

De fato, a homossexualidade ainda é um grande tabu no futebol. No Brasil, nenhum jogador dos grandes clubes do cenário nacional se declarou gay até hoje. Mesmo no exterior, onde a abertura para esse diálogo vem sendo expandida, o tema é delicado. O primeiro jogador a se assumir publicamente como homossexual foi o britânico Justin Fashanu, em 1990. A declaração, no entanto, afundou a carreira do atacante, que acabou se suicidando oito anos depois. Recentemente, Thomas Hitzlsperger, ex-jogador de grandes clubes europeus como Stuttgart e Everton, tornou-se o primeiro atleta alemão a admitir publicamente ser gay. Mas o caminho para o esporte ainda parece longo.
O modelo de organização e de resistência do BeesCats inspirou o surgimento do Alligaytors Esporte Clube. Além do futebol, os criadores montaram, também, um time de vôlei formado somente por jogadores homossexuais. Luigi Girotto, de 38 anos, é um dos nomes à frente do projeto. Ele e os outros 12 atletas da equipe treinam todos os domingos em uma quadra em Oswaldo Cruz e se orgulham de expandir a luta contra o preconceito para a Zona Norte carioca
Existe um muro para quem é LGBT em qualquer esporte no Brasil. No futebol, isso fica mais evidente, mas existe muito no vôlei também. A gente formou o time de futebol antes, mas tinha muita gente, inclusive eu, que também queria jogar vôlei. Então, decidimos criar a equipe de vôlei em maio do ano passado – afirmou Luigi

Elvis Neves, de 23 anos, é companheiro de Luigi no time de vôlei do Alligaytors e também enxerga o esporte no Brasil despreparado para a diversidade. Para ele, o exemplo da jogadora Tiffany Abreu explicita o preconceito. A oposto do Sesi-Bauru é transexual e, mesmo autorizada pela Federação Internacional de Voleibol (FIB) a atuar em competições femininas, seu desempenho é questionado por vantagem biológica e recebe constantemente ataques sobre as condições de seu corpo.
Vejo o nome dela sempre nos sites e nunca pelo vôlei que ela pratica, que é muito bom, ela é uma ótima jogadora. É sempre pelo fato de ela ser trans. Isso mostra que o Brasil ainda é muito preconceituoso – declarou Elvis
Olhando os seus companheiros de time e, principalmente, os amigos que criou no futebol, André Machado se orgulha de tudo que construiu com o BeesCats. Mas espera que o projeto não precise durar para sempre.
É muito bom ver todas as pessoas que eu conheci e já conhecia felizes em poder jogar bola tranquilamente. Mas a ideia é que em 10, 15 anos não precise haver essa segregação no futebol. Que todos possam jogar em qualquer lugar sem preconceito - concluiu André
Por João Guerra
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